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  • Acreditamos que algo de novo vai surgir para revitalizar a Ordem nos vários cantos do mundo

    14 de Outubro de 2024

    Entrevista com o Irmão José Paulo, Superior Provincial e Presidente do Instituto S. João de Deus

    Prestes a iniciar o LXX Capítulo Geral da Ordem Hospitaleira de São João de Deus, entrevistámos o Irmão José Paulo Simões Pereira, Superior Provincial da Província Portuguesa e Presidente do Instituto S. João de Deus.

    O evento que descreve como “uma verdadeira experiência rica em fraternidade, universalidade e Hospitalidade” irá definir os próximos seis anos da Ordem em todo o mundo e, irá culminar na eleição do novo Superior Geral e Governo Geral.

    O Capítulo irá acontecer de 15 de outubro a 7 de novembro em Częstochowa, Polónia. Todas as Províncias e Delegações Provinciais da Ordem serão representadas por um colaborador, que no nosso caso será o Dr. Nuno Lopes. Esta reunião representa, ainda, uma oportunidade única para avaliar a Missão e o Carisma da Ordem numa altura em que assistimos a um mundo em tão rápida mudança.

     

    Irmão José Paulo, o que é o Capítulo Geral?

    O Capítulo-Geral é a reunião magna da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus a nível mundial. Costumamos dizer que é um tempo de graça, uma oportunidade para revermos toda a nossa realidade, seja ao nível da vida dos Irmãos, seja ao nível do Carisma e da Espiritualidade ou ao nível da Missão. É uma verdadeira experiência, rica em fraternidade, universalidade e Hospitalidade, vivida durante três semanas, refletindo a realidade plural e multicultural da Ordem. “É sempre um acontecimento espiritual da maior importância para a nossa família Hospitaleira de S. João de Deus”, como disse o Ir. Jesus Etayo, na sua convocatória.

    O Capítulo Geral é um espaço em que estarão todos os líderes da Ordem: Governo Geral, Provinciais, Delegados Provinciais, Delegados Gerais e os vogais eleitos em cada Província, Vice-Província e Delegação Geral. Todos os Irmãos têm direito a voto, mas só os Irmãos de votos solenes (com mais de 6 anos de votos religiosos) podem ser eleitos.

    No Capítulo Geral, faz-se uma avaliação do sexénio que termina e, partindo da realidade atual no mundo na Igreja, e particularmente na Ordem, elabora-se um programa com as linhas de ação e os eixos fundamentais a serem trabalhados e dinamizados nos próximos seis anos, tendo bem presente os desafios para a “Hospitalidade num mundo em mudança”, lema deste LXX Capítulo Geral.

    A par da avaliação dos seis anos que terminam, elabora-se um programa, para os seis anos seguintes e, na fase final do Capítulo elege-se o novo Governo Geral. Neste Capítulo serão eleitos o novo Superior Geral e o seu Conselho. O atual Superior Geral, Ir. Jesus Etayo, termina o segundo mandato e não pode ser reeleito para um terceiro mandato consecutivo, assim como os seus conselheiros.

    No final do Capítulo, depois de um dia de discernimento dos Irmãos capitulares, entre os dias 1 e 4 de novembro, teremos o novo Governo Geral que irá liderar a Ordem Hospitaleira nos próximos seis anos.

     

    E poderá ser eleito um Irmão que é Superior Provincial?

    Sim, teoricamente, qualquer Irmão da Ordem com mais de 12 anos de profissão solene pode ser Superior Geral e Conselheiro Geral, mesmo que não estejam presentes no Capítulo, mas normalmente é alguém que está no Capítulo, como é o caso dos Superiores Provinciais. No entanto, tem sido habitual que o Superior Geral eleito seja alguém que está no Governo Geral que termina. São pessoas que já têm experiência prática, que estão lá e já conhecem a realidade da Ordem, mas é imprevisível, é uma eleição livre e pessoal dos capitulares.

     

    Como foi o processo de preparação para o Capítulo Geral?

    Já estamos a preparar o Capítulo há dois anos. Já conhecemos a metodologia de trabalho, sabemos o que vamos fazer e porquê.

    O Governo Geral mudou a metodologia em relação aos capítulos anteriores, como uma oportunidade de um novo começo. Promoveu uma dinâmica, em sintonia com o caminho sinodal que a Igreja está a fazer a nível mundial e em todas as Igrejas locais, “caminhar juntos”, que é, no fundo, o lema do sínodo que a Igreja Católica está a desenvolver, convocado pelo Papa Francisco, em outubro de 2021. O objetivo é promover mais espaços de diálogo, consulta e participação de diferentes setores da Igreja. Uma Igreja que caminha unida, aberta ao discernimento e à escuta do Espírito Santo.

    O atual Governo Geral adotou este lema e envolveu a todos, desde o topo à base, num trabalho de escuta ativa. Fomos desafiados a escutarmo-nos uns aos outros, com o maior número de pessoas possível a nível da Ordem, para perceber a realidade local, em cada latitude e em todas as culturas onde a Hospitalidade de S. João de Deus acontece. No fundo, fomos convidados a construir uma visão global, dentro e fora da Ordem, e perceber como é que estamos nas várias partes do mundo, nas suas diferentes realidades e dimensões, face a um mundo emergente.

    Depois da Assembleia da Ordem, com todos os Superiores Provinciais, em outubro de 2022 onde foi apresentada esta nova metodologia, baseada na teoria U, a Ordem começou a reunir-se por Continentes para desenvolver em cada uma das suas Regiões e em cada Província, Comunidade e Centros, grupos de sensing, de perceção da realidade. Fomos desafiados a assumir que “necessitamos de um novo modo de ser e de estar no mundo”. Para isso, temos de escutar-nos uns aos outros, sem juízos de valor.

    Um ano depois, em novembro do ano passado, o Continente europeu reuniu em Marselha, França, e cada Província enviou dez pessoas. De Portugal fomos sete cobradores e três Irmãos e, durante uma semana estivemos mergulhados nesta metodologia de perceção da realidade (sensing), para percebermos como é que funciona, escutarmo-nos uns aos outros e foi aqui que identificámos os nove temas para trabalhar na nossa realidade, em Portugal e em Timor-Leste. Já em Portugal, no final da conferência, identificámos os vários grupos de sensing em todas as Casas (Comunidades e Centros) que incluíram Irmãos, colaboradores, voluntários, parceiros, stakeholders, utentes e os seus familiares, ou seja, todas as pessoas que se envolvem de alguma forma diretamente ou indiretamente na nossa missão e na nossa realidade hospitaleira.

    Nas reuniões dos grupos de sensing escutámo-nos uns aos outros sobre um determinado tema, registando a perceção de todos, ouvindo todos, mas sem apresentar soluções. A ideia era apenas escutar. E agora, no Capítulo, como temos acesso ao resumo de todas as Províncias, de todas as realidades dos vários Continentes, como que uma radiografia de cada realidade local, começaremos a criar e a deslumbrar respostas, ou possíveis caminhos de resposta, procurando responder ao apelo daqueles que foram escutados.

    Temos muito material que vai ser trabalhado e discernido no Capítulo.  E acreditamos que o Espírito de Deus irá iluminar o grupo, para, de alguma forma, descobrirmos possíveis respostas de melhoria e de revitalização da Ordem e a Hospitalidade num mundo em mudança.

    Resumidamente, a metodologia do Capítulo que nos levará a discernir o que devemos fazer nos próximos seis anos passa por três etapas:

    1. Conectar-se com a realidade, através da escuta ativa e geradora daquilo que partilharam os grupos de perceção, em toda a Ordem (sensing);
    2. Escutar a Deus, para que nos ajude a compreender a realidade (listening God);
    3. Perceber o que diz o Espírito (realising).

    O grupo que vai estar na Polónia vai trabalhar tudo aquilo que foi recolhido nos vários cantos do mundo, nos 52 países, nos cinco Continentes. Estamos a falar de uma realidade muito vasta, a partir deste Carisma da Hospitalidade, da espiritualidade de São João Deus e da forma de ser Irmão e Colaborador de São João Deus nas diferentes culturas do mundo.

    Hão de existir preocupações diferentes, pois há muita diversidade e diferentes formas de entendimento. Logo, toda esta diversidade e perceções exigem muita atenção, muita escuta ativa, muita confiança no Espírito Santo e acreditamos que algo de novo vai surgir para revitalizar a Ordem nos vários cantos do mundo.

     

    Porque é que o Capítulo Geral vai acontecer na Polónia?

    A decisão aconteceu numa Assembleia com o Governo Geral e todos os Provinciais da Ordem em Roma, em outubro de 2022, onde o Governo Geral propôs várias possibilidades. Entre elas estava a Polónia, pela proximidade com a Ucrânia pois estava a iniciar a Guerra e de alguma forma a perturbar toda a Europa e, sentíamos todo o impacto do início da guerra e os riscos que estávamos a ter. Além disso, sabíamos que havia uma Comunidade de Irmãos Polacos na Ucrânia, próximos da fronteira, logo estes Irmãos estavam já em campo de batalha a dar suporte e apoio às pessoas, aos locais e aos refugiados que começavam a chegar à Polónia e através da Polónia para a Europa. No fundo, foi determinante este impacto que a Ucrânia estava a ter na Europa, sentimos, também, que era um gesto solidário para com os Irmãos da Polónia e para com o povo ucraniano, mesmo correndo o risco de estar ali tão próximos de um foco de guerra. Foi nesse sentido de solidariedade e para os Irmãos Polacos sentirem a proximidade e a hospitalidade da própria Ordem.

     

    Quais são as expectativas da Província Portuguesa para este Capítulo?

    Quando escutamos as pessoas, a expectativa é evidente, queremos saber quem nos vai liderar nos próximos 6 anos. E, evidentemente, disso depende a facilidade linguística, de comunicação, a sensibilidade, é normal que exista curiosidade.

    E, seja quem for, nós estaremos cá para colaborar. Mas sente-se que há alguma expectativa em relação ao grupo e em relação a esta própria dinâmica que se criou e da nova metodologia. Existe algum receio se vamos conseguir entrar na dinâmica que se pretende e a expetativa relativamente a esta nova metodologia que será diferente relativamente aos Capítulos anteriores. Mas é uma expetativa positiva porque sabemos que aquilo que chegou ao Capítulo vem de muitos cantos do mundo. De muitas pessoas, dos diferentes membros que compõem a família de S. João de Deus. Logo, há aqui um sentido real e de proximidade que é intenso e que será certamente curioso e sobretudo valioso. Sabemos que estaremos a discutir a realidade local de todo o lado. E isso, de alguma forma, dá um sentido não só de Igreja e de universalidade, mas também estaremos juntos a (re)construir o projeto de Hospitalidade. Seja de uma Ilha no Pacífico, de Timor-Leste, da América Latina, de África ou do Japão, estarão todos ali representados porque partilharam e alguém escutou.

    Então, vamos pegar naquilo que foi escutado e algo novo há de surgir. Logo, essa expetativa é muito interessante.

     

    Há uma necessidade de rever a Hospitalidade à luz das novas realidades?

    O mundo está sempre a mudar. Nota-se uma diferença grande nos últimos anos, o mundo mudou muito e muito rapidamente. Há uma realidade completamente nova que nos obriga a respostas diferentes. Então, essas respostas diferentes também exigem de nós atenção ao mundo e respondermos àquilo que nos é pedido, com novas formas e com novos instrumentos.  E, para isso precisamos de nos escutar uns aos outros para perceber quais as melhores respostas.

    Mudou o mundo, mudou a Igreja, a própria Ordem muda. Porque temos cobradores com outro perfil, e temos necessidades novas. É tudo muito mais rápido. E há, também, o nível de exigência daqueles que procuram os nossos serviços, que exigem melhores cuidados. Por outro lado, há uma quantidade de exigências legais que nos obrigam a uma gestão diferente, muito mais profissional e a uma estrutura muito mais organizada. Não digo empresarial, mas com as ferramentas e os instrumentos de uma empresa organizada, ainda mais com a dimensão que a nossa Instituição tem, há muita coisa que nos é pedida.

    Quando estamos juntos e com esta diversidade que temos na Ordem, aprendemos bastante. A experiência que os outros países têm, ainda mais sendo de vários Continentes, pode-nos ajudar a encontrar uma resposta às nossas necessidades locais.

     

    A Ordem está a reorganizar-se?

    O mundo está a mudar e nós sentimos isso na Europa. Dependemos da Europa e da União Europeia, a todos os níveis. A própria Ordem está a fazer este caminho. Está a reorganizar-se por Continentes. A reorganizar as Províncias no sentido de funcionarem enquanto Continente para poderem, de alguma forma, fazer este caminho juntos. E na Europa, existem nove Províncias de países diferentes, do Sul, do Norte e do Centro da Europa, com realidades culturais diferentes, mas estamos a fazer um caminho juntos.

    Há grupos europeus temáticos, de saúde mental e psiquiatria, de exclusão social, de pastoral da saúde, de inovação, vocacional e da vida dos Irmãos. A Ordem na Europa está a reorganizar-se como Associação “Hospitality Europe”, que existe desde 2012, mas que se está a reestruturar enquanto associação a que qualquer Província pode aderir. Pode tornar-se numa estrutura administrativa europeia que nos pode dar suporte e que nos facilite o acesso aos recursos da União Europeia, por exemplo. Logo, há todo um movimento a nível europeu e Portugal não pode passar ao lado. Já estamos envolvidos e sentimos que já fazemos parte desta Europa. Tudo é mais rápido hoje. Então, já não podemos escolher se podemos ou não podemos, se queremos ou não queremos entrar neste movimento europeu.

    Penso que o Capítulo, de alguma forma, vai neste sentido também. Mas mais alargado a todos os Continentes. E, existe esta expetativa de Portugal entrar e sentir-se parte de um todo que caminha no mesmo sentido e que tem o mesmo carisma e a mesma espiritualidade. E quando estamos em grupo sentimo-nos mais fortes. E nós precisamos dessa fortaleza para continuarmos a revitalizar a hospitalidade na nossa Província, onde se inclui sempre Timor-Leste.

     

    Sente que este Capítulo será decisivo para o futuro?

    Sem dúvida. Todos os Capítulos são uma oportunidade de mudança e de crescimento do carisma e da missão da Ordem. Como dizia há pouco, como tudo é mais rápido, as nossas respostas também têm de ser rápidas e, é também por isso que neste Capítulo temos mais presença de colaboradores.

    Há uma presença mais comprometida e interventiva. Logo é, também, uma mudança e sempre que há um Capítulo há mudanças a este nível.

    Os colaboradores estão cada vez mais por dentro e cada vez mais connosco e isso também irá trazer outros resultados. Teremos outras fontes de informação, outros instrumentos e outros pontos de vista. Outro suporte profissional que nos ajuda a discernir e a fazer este caminho juntos e com futuro.

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