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Religião e Espiritualidade nos Cuidados de Saúde
21 de Janeiro de 2025
No Dia Mundial da Religião, refletimos sobre o papel da fé, da espiritualidade e da convivência harmoniosa entre diferentes crenças. Para desenvolver esta temática, conversámos com o Padre Alberto Mendes, Responsável pela Pastoral da Saúde e Animação na Casa de Saúde do Telhal, onde também é Superior da Comunidade dos Irmãos. Nesta conversa, partilhou a sua visão sobre a importância deste dia, o papel da religião no Instituto S. João de Deus e a relação entre religião e espiritualidade.
Qual a importância do Dia Mundial da Religião?
É um dia de grande importância, especialmente no contexto atual, em que vivemos num ambiente de guerras, muitas vezes causadas por diferenças religiosas. A religião deveria ser o oposto, pois como o próprio termo sugere, é para “religar”, ligar-nos a Deus. Contudo, por vezes, acabamos por nos focar em questões secundárias ou insignificantes, que nos afastam mais do que nos unem.
A religião tem a função de promover a união e a paz. Cada pessoa é livre de ter a sua religião e a sua liberdade deve ser sempre respeitada. Seja pela fé que herdou ou por uma escolha consciente, a religião deve servir para ajudar as pessoas a viverem melhor. Não faz sentido que ela crie mais desunião ou afastamento.
Sendo uma instituição religiosa, qual o papel da religião no Instituto S. João de Deus?
A nossa instituição tem uma convicção católica que herdamos de S. João de Deus. Não somos uma instituição comum, neutra em termos religiosos. Professamos a fé católica, mas com total respeito por todas as religiões. Temos utentes e colaboradores de diferentes confissões religiosas e este respeito é mútuo: respeitamos a sua liberdade e pedimos que respeitem e compreendam os valores do nosso Instituto, que são os mesmos da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus.
Inspiramo-nos no exemplo de S. João de Deus, nosso fundador, que vivia os valores da hospitalidade, caridade e defesa da vida. Assim, a nossa missão é prestar os melhores cuidados de saúde da forma mais humanizada possível. Enquanto instituição católica, os nossos valores refletem-se na forma como cuidamos, mantendo sempre o objetivo de fazer bem ao próximo.
Existe espaço para a ciência na religião?
Sem dúvida. Embora ao longo da história, talvez não tenha acontecido pois a religião estava acima de tudo. Mas tudo tem o seu lugar. A religião ajuda a ciência e a ciência ajuda a religião. Caminham juntas.
A ciência dá resposta através da investigação e é bom que se investigue cada vez mais, que se encontrem mais curas para as doenças. A religião dá um outro sentido à realidade, não a explica cientificamente, mas é no fundo a visão que nós temos de Deus nesta realidade que estamos a viver. Não há contradição entre as duas. A religião complementa a ciência, especialmente na área da saúde, ajudando as pessoas através do apoio espiritual e da oração. A religião não deve ser um obstáculo, mas sim uma força que acompanha e apoia as pessoas, sobretudo em momentos de investigação e avanço científico.
O que é a espiritualidade e o que a distingue da religião? E qual o seu papel enquanto assistente espiritual?
A religião tem a ver com crenças, com um Deus; ter fé num Deus ou numa religião. E a espiritualidade é muito mais ampla, pois abrange o sentido da vida, das nossas relações connosco próprios, com os outros, com a natureza e o mundo e, também, com o transcendente.
Eu costumo dizer que nem todos professam uma religião, mas todos somos espirituais, todos temos uma dimensão espiritual. Todos questionamos o sentido da vida. A espiritualidade pode manifestar-se de diversas formas, seja através da arte, da música ou na contemplação da natureza, não depende de uma ligação religiosa. O apoio espiritual pode recorrer a muitas coisas à nossa volta que nos ajudam a estar bem espiritualmente, sem ser religioso.
No Instituto, temos uma grande espiritualidade. Digamos que comungamos deste Carisma Hospitaleiro.
No meu papel enquanto assistente espiritual, procuro ajudar as pessoas a encontrarem sentido e equilíbrio, independente da sua crença.
É fácil dar apoio espiritual a alguém não religioso ou que não acredita em nenhuma religião?
Sim, é possível. Quando alguém, seja um utente ou um colaborador, procura apoio espiritual, não tem de professar uma religião, assim como o assistente espiritual não tem de ser padre, temos no Instituto alguns colaboradores leigos que são assistentes espirituais.
O nosso papel é ajudar com as ferramentas que temos ao nosso dispor e utilizá-las o melhor possível. Seja pela arte, pela música ou pela contemplação da natureza, o objetivo é ajudar a pessoa a sentir-se melhor.
No fundo, acredito que há sempre algo dentro de cada pessoa que busca respostas. Mesmo quem afirma não acreditar em Deus pode, em momentos difíceis, questionar-se ou procurar algo que não consegue nomear. O importante é escutar e estar presente, sem impor nada.
As pessoas não religiosas sentem-se à vontade para pedir apoio espiritual sabendo que é Padre?
Sim. Há pessoas que avisam logo que não acreditam na religião, mas depois começam a conversar e a falar sobre as suas questões. Às vezes até explicam porque não acreditam e partilham experiências negativas do passado, por exemplo.
A escuta e a abertura são essenciais. É importante respeitar a história e a realidade de cada um, sem impor nada. Cada caminho é único. O apoio espiritual deve surgir naturalmente, através de uma relação de confiança.
Qual o papel da equipa de saúde no apoio espiritual?
Na área da saúde, é fundamental que as equipas estejam sensibilizadas para a dimensão espiritual, independentemente da sua função ou religião.
O apoio espiritual poderá ser dado pelo enfermeiro, pelo assistente social ou pelo psicólogo, desde que seja alguém atento à realidade da pessoa e que esteja preparado. Os profissionais devem estar sensíveis a esta área, para poderem atender às questões mais básicas, e saberem encaminhar para a equipa de assistência espiritual quando se deparam com questões mais complexas.
E isso é muito interessante: a referenciação que fazemos de uns profissionais para os outros, a humildade entre os diferentes elementos da equipa, que sabem reconhecer até onde cada um consegue chegar o onde devemos contar com outros profissionais, de outra área, para responder às necessidades da pessoa que assistimos.
E como é que esse apoio começa? É sempre com uma conversa?
Geralmente, o apoio espiritual começa com um pedido da pessoa ou de um familiar. A lei garante, hoje, esse direito em qualquer hospital. No nosso caso, como temos uma equipa dedicada à parte espiritual e da pastoral da saúde, é mais fácil identificar quem precisa deste apoio.
Vamos fazendo esta caminhada juntos, de uma forma muito natural. Pode surgir no meio de um momento informal, de uma atividade ou de um momento de lazer. Muitas vezes, a pessoa sente-se à vontade para partilhar e pedir apoio, outras vezes, é a equipa que se apercebe da necessidade e, com cuidado, tentamos chegar a quem precisa de apoio. O importante é respeitar o ritmo e as necessidades de cada pessoa.